sexta-feira, 9 de maio de 2008

chinelo velho e pé cansado.

Existe um ditado que apesar de reconfortante para alguns, não tem por onde me deixar mais indignada...é o tal do “haverá sempre um chinelo velho para um pé cansado” ...
Será que as pessoas que crêem nessa “expectativa” de vida, vivem de verdade?Ou são sombras se si mesmas?Sombras do pó em que os próprios desejos se tornaram?
Sou uma caminhante, uma andarilha, alguém cuja vida é saber que a parada não é para acomodar,é para traçar novas trilhas e se um dia meus pés precisarem ser calçados,certamente não é com chinelos velhos que eles se fartarão;antes com um bom par de botas de escalada ...isso sim condiz mais com o que eu quero para mim...
Por muito tempo andar descalça será mesmo meu destino,ora pés doloridos,ora,na reconfortante relva a mordiscar sensações únicas de veludo e feno; ora ressequidos e machucados,ora molhados por um riacho a beira do caminho...mas não permitirei que sejam nunca apenas pés cansados...pois os pés que se cansam,cansaram na realidade de si mesmos,cansaram da coexistência nada tímida entre pé e caminho,cansaram de sustentar sonhos.
Aos pés cansados pode sim haver um chinelo velho,mas ao contrário das combativas botas de escalada, que meus pés almejarão quando galgaram íngremes terrenos,os chinelinhos velhos não serão bons companheiros de viagem,serão mais uma cama mal feita,com um colchão velho e rude, onde os pés cansados se acharão em casa,pois já terão parado ou mesmo nunca terão sentido a grandeza de vôos mais altos, então se verá que os chinelinhos velhos,puídos,castigados pelo tempo e pela falta de ousadia, sempre temeram se transmutar em bons pares de botas.
A um pé cansado cabe mesmo um par de velhos chinelos,porque aos chinelos velhos só se delega quem não tem necessidade de sair do próprio portão. Pés que se arrastam não precisam de um bom solado,isolar a pele do chão frio é o que basta, precisam no máximo de um pedaço de pano velho que os aqueçam e esse pano velho fantasiado de companhia, estará à espera de que com um pouco de utilidade, não seja descartado ou trocado por uma sandália havaiana nova abruptamente afeita a um par de meias ridículas .
Quando enfim meus pés ousarem pensar em cansaço, os pés de minha alma continuarão a andar, vagarão pelas minhas florestas e pelos meus desertos só para lembrar aos meus próprios pés, de que o cansaço é mesmo um estado de espírito e não uma necessidade de parar de viver.
O que se diz sobre o morrer um pouco por dia mesmo achando-se vivaz, é tão certo quanto a necessidade que se tem do ar.Viver à sombra de parcas ou desesperadas escolhas não faz de ninguém um herói por insistir,mas um pobre coitado por não tentar de fato algo que lhe satisfaça.
Chinelos velhos são escolhas estagnadas de pés cansados: pés cansados de serem eles próprios,pés cansados de frustração e iniqüidade que vêm de si mesmos.São escolhas, que mais do que aceitação,se faz por imposição de um medo estúpido de estar só para o restante da caminhada.
A busca em si é algo muito mais valioso que o resultado dela,já me dizia esses dias alguém muito especial,e se a busca for por um par de chinelos velhos,eu sinceramente não quero mesmo chegar ao final dela.Quero só que meus pés desbravem o caminho e se as botas surgirem,que eles as calce, sabidamente incentivados e impelidos a escalar montanhas juntos.
Deturparam o conceito de solidão,impuseram uma ditadura de casal,seja esse um chinelo velho e um pé cansado ,seja uma senhora frustrada e neurótica e seu marido condescendente e conformado.
O caminhar a dois tem que ser mais que isso:tem que ser sim um encontro de pés incansáveis e boas botas,tem que ser de parceiros que não se estanquem,mas se impulsionem.Romper paradigmas não há de ser segredo ao par de bons caminhantes,segredo seria não vir a liberdade de um amor maduro no que ele tem de mais maduro,a própria jovialidade.
Comodismo é insípido, é castrador,é retrocesso.Estar apenas disposto a encontrar um chinelinho velho para seus pés cansados é a mais triste aceitação da miserabilidade humana auto-imputável.
Sou bem mais que um pé cansado, e não serei jamais um chinelo velho a apenas oferecer um calor fake,cego,recoberto de fuligem e tristeza.

2 comentários:

Luiz Orlandini disse...

Incorrigível, irretocável, e que praticamente me deixou sem fôlego e sem palavras... não sei por onde começar, quem sabe pelo final, como sempre. Se somos botas de escalada, que nos encontremos onde Judas perdeu as botas, ou quem sabe mais pra lá um pouquinho... e que, até lá, a busca seja feita de buscas, e não de fins... afinal, porque é que as coisas têm que ter começo, meio e fim? A dignidade convém a quem sabe fazer o melhor com o que se tem em mãos, e no seu caso, com o se tem tem em "pés", e esses sei que percorrem caminhos de sonhos, ou um dia voarão como os pés alados de Mercúrio, rumo às altas montanhas, ou rumo à relva suave, que seja... te admiro por isso também, por ser você, inconformada com as falsas verdades, cuja temperança vem de dentro quando traz à tona o intuito de ser alguém melhor, auto-analítica, sublime e firme como o que você é, uma mulher que pela bênção de Deus traz nos olhos além da cor azul do céu, a verdade, a sabedoria, e a imagem de caminhos a ser percorridos com botas de escalada... parabéns não só pelo texto, mas pelo inconformismo e devoção à vida! Te adoro meu anjo, nesse texto você se superou de uma maneira nem sequer imaginada... na veia! Parabéns e beijos!

Unknown disse...

Sem palavras. Sem comentários, ao não dizer: "PARABÉNS". Sábias palavras, encantador, animador, reconfortante, original, e como sempre pra frente. Mas antes de mais nada minha querida, é preciso praticar tudo isso e não ficar apenas em palavras, bonitas, cheias de significado, mas vazias de experiência. Acredito em tudo que você escreveu, acredito também que pratique tudo e até mais um pouco. Mil beijos. Muito obrigado pela companhia d o fim de semana, vocês foram dez, mil, milhões; é melhor parar caso contário não saberei mais contar. Beijos. Éder.