terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O PESAR DOS PESARES

Lembro-me bem de alguns versos que me falavam à alma, em minha mais tenra idade:
“Se alguém quiser fazer por mim Que faça agora Me dê as flores em vida O carinho A mão amiga Para aliviar meus ais Depois que eu me chamar saudade Não preciso de vaidade Quero preces e nada mais”
Estes versos ornamentavam a porta da sóbria sala de coordenação do colégio onde passei alguns dos mais lúdicos momentos de minha vida...
(Só muito mais tarde é que vim a saber que esses versos eram parte de uma pérola da MPB,de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito,que se chama justamente: “Quando eu me chamar saudade”)
Pois bem,lembrei-me deles porque para mim,desde sempre foram uma ode ao não arrependimento,ao não pesar.
Estive refletindo acerca das lacunas impreenchíveis que algumas pessoas deixam em suas vidas:Muitos passam pela vida sem nunca ter “saído da linha”,sem nunca ter se permito algum adocicado desvio de conduta ou mesmo um infraçãozinha grave aos bons costumes que aprendemos na casa da vovó..mas acima de tudo,vejo lacunas irreparavelmente grandes,naquelas pessoas que deixaram para amar quando não mais podiam expressar seu amor.
Existe alguma argamassa da alma que tape o lugar do sentimento que sempre quis estar em seu devido lugar, mas que sempre fora renegado?Não existe "talvez" para um “eu te amo” não dito,um abraço não dado,uma conversas evitada,um sorriso economizado.Quando se torna talvez,já se tornou pó,o tempo levou e aí sim,Talvez tenha levado também a única chance de ser sincero,a única chance de honrar o tal do amor .
Posso me orgulhar de poucas coisas,mas de uma me orgulho sem pudor:Minhas saudades não são pesares...são falta por si só,sem remorsos,sem angústias quanto ao que eu deveria ter feito...àqueles de meu convívio que foram dessa vida,estou certa que foram carregando muito amor de minha alma,e aqueles que aqui permanecem,ainda que nem sempre se dêem conta,são beijados em pensamento a cada dia da minha vida, com todo meu amor,e sem nenhum arrependimento.Não me escondo atrás do que sinto,porque é o que sinto que permanecerá quando eu realmente me chamar saudade,logo,o que sinto, sou eu desdobrada,eu despida,eu refeita de meus males.Meu amor não é extemporâneo,não de ocasião nem sequer é mensurável..meu amor pelas pessoas e coisas de meu mundo é só Amor,nada mais!Falível,passional,ao mesmo tempo egoísta e abnegado,suave e profundo,sagrado e profano,humano...simplesmente amor revelado.


Quando eu, plagiando Nelson Cavaquinho, não estiver mais aqui e então ME CHAMAR SAUDADE,não quero ser lembrada pelo que poderiam ter feito por mim,mas pelos sorrisos que eu deixei plantados em alguém.
Apesar dos pesares,o pesar não me acompanha...digam o que disserem,mas não passo pela vida impunemente:grito aos quatro ventos o que sinto e faço isso de peito aberto,lavo minha alma com as delícias de um encontro com os amigos,com as lembranças de um beijo infindo ...e se lágrimas me molham a face...certamente não são fruto do que eu tenha deixado de fazer... errando ou não,tentei... e mergulhei no mar das saudades!
E que seja mais ou menos assim meu epitáfio:
Aqui jaz Flávia Mello
Alguém que viveu sem medo de sentir saudade!