terça-feira, 15 de abril de 2008

Autoflagelação, mito da caverna e um anjo.

Circunscrevi-me no ócio latente da alma...alma engessada,atônita,perplexa .
Como da pia batismal, vali-me em meu coração da ablução necessária...a derradeira purificação para derradeiro momento...e enganei-me!
O derradeiro instante de pesar,o derradeiro instante em que o lamento parecia-me a única forma possível de prosseguir...
Lavei-me então nas gélidas águas do coração enfermo, batizei-me repetidas vezes na crueldade de minha autoflagelação, para só então, depois de muito pesar, ter podido vislumbrar, nada distante de mim, a redenção
... Achei-a no mesmo coração que julgara outrora enfermo, no que eu acreditara estar acometido pela indiferença;
Achei a redenção na memória,na justa sacralização do que eu condenara ao passado...sabia intimamente que desejos,sonhos e carinho, permeiam a vida sob qual circunstância for,quando sinceros,mas ainda sim,acabei por convalescer de trôpegos ensejos de auto-penitência.
Vislumbrar a não dor, o não pesar, o não ruir, parecia-me tarefa inglória a alguém como eu e mantive-me ainda na ignorância dos covardes...
Quando a luz veio do mesmo lugar de onde julgava ter vindo as trevas, notei claramente que era eu, todo o tempo,a dar as costas para a claridade: Ela sempre estivera lá...e tal qual os prisioneiros em Platão,eu tinha me acostumado às sombras,inclusive a minha própria!
Foi então, que uma brisa oriunda do ruflar das asas de um anjo , reposicionou-me na direção da verdade.
Defronte ao clarão que acuava os instintos de defesa, meus olhos foram momentaneamente ofuscados...aos poucos as coisas foram tomando a forma real. Sentimentos se reordenando,angústias se dissipando.
A minha redentora lá estava...minha salvação,minha libertadora...aliás,como eu já houvera dito,nada havia mudado ,senão eu ,ao dar as costas ao meu mundo...e lá estava Ela,linda,impoluta,intocável,pronta a me tomar nos braços e me trazer sorrisos aos lábios.
Fui imediatamente arrebatada pela mãe de todos os perfumes da alma...deixei-me envolver pelos longos e cálidos braços da Saudade...e suplantei a dor,voltei...e retomei meu caminho.
E cá estou, livre de pesadelos, de falsas amarras e sentimentos espúrios que nunca deveriam ter se aproximado de mim...estou leve e tenho as magoas todas sob o devido controle da percepção dos fatos.
Aquele Anjo, ensinou-me a devolver ao meu coração o que lhe alimenta:a mesma Saudade que me libertou.
Estou a caminho de casa, enfim!
obrigada anjo!
15/04/08
( em dias que fugi de mim mesma)

quarta-feira, 9 de abril de 2008

LITERATURA CLÁSSICA HOMO SAPIENS

Eu me descobri uma leitora ...
Sempre tive uma certa compulsão por leitura,do tipo que lê uns dois ou três livros de uma vez,tomando cuidado para diferenciar os gêneros e tudo mais,no entanto,foi numa dessas brechas que agente dá em certos hábitos que nem sabe bem o porquê, que eu me descobri uma leitora de seres humanos: É, eu leio pessoas;não que as entenda sempre,mas ao menos eu tento e vejo sim algum mérito nisso;explicarei o porquê:
Há muita agente por aí devorando Freud, Jung,Gandhi,Dalai lama,Nuno Cobra não sei das quantas,e não pára para ar bom dia para o jardineiro do prédio,não diz obrigado à mocinha da padaria e não dá boa noite para mulher/marido quando chega em casa e tem lá suas 3 horas de convívio com a família...é mais fácil jogar a pasta sobre o aparador,tomar um banho,beliscar algo na geladeira e dormir com raiva do(a) parceiro(a) por não ser mais cordial ou atento(a),quando na realidade,nem um único olhar foi trocado,quanto mais uma leitura sutil de almas.
Falta disposição no ser humano em ler o outro e deixar-se ler.Penso que um olhar mais atendo pode e deve abreviar discussões,minimizar sofrimentos e sem sombra de dúvidas desvendar mistérios da alma humana.
Leitura de ser humano(leia-se um pouquinho de atenção ao outro)evita separação,morte,anorexia,colesterol,excesso de silicone e vizinho intragável...nem sempre, é claro,mas que ajuda,ah, isso ajuda!
Estou longe de ser uma expert em humanidade, mas quando ouço atenta, por exemplo,o seu Antônio ,que chega manco e sorridente pedindo alguma informação em meu trabalho e brinca que jogará futebol no próximo fim de semana sem parar,leio naquele seu Antônio,um senhor que tem lá seus 60 e muitos anos,que apesar dos cabelos brancos e das pernas um tanto fragilizadas,que há sede de vida em cada poro seu;leio em seu Antônio ,que falar de seus anseios e sonhos impossíveis é uma forma de vivê-los e acima de tudo,dizer isso para alguém, que compartilhe com ele essa conversa em meio a sorrisos e conselhos sobre “não exagerar na dose”,transforma esse homem em um livro:fácil,agradável ,por vezes desconcertante,tamanha a complexidade de sua sutileza...paradoxal?Não, humano!
Leio também Marias,muitas Marias,que vem e vão em geral com a mesma queixa,mas cada uma em seu invólucro de dor...uma dona Maria se queixa lá da dor nas costas e da pressa que tem em voltar para a casa e cuidar de seu “veio” que está inválido sobre uma cama há anos...nessa dona Maria eu leio parágrafos e parágrafos de abnegação,amor ,revolta e por fim resignação,e ao ler essa mulher,é a mim que a resignação bate a porta querendo entrar...
Leio então,minutos depois uma outra dona Maria que parece vazia,mas que ao virar a página do prólogo,entendo que não está vazia,apenas ressequida,secou pelos filhos que a abandonaram,pelo marido que a trai,pela mão que não a acolheu...pelo patrão que a despediu sem pesar.Essa dona Maria ,deixou páginas de seu livro para serem assim mesmo,ilegíveis,a menos até algo lhe devolver o viço da vida.Então viro outra página e vejo um sorriso e percebo que também há gravuras felizes naquele emaranhado de palavras soturnas...é quando dona Maria vai embora e diz:-“Deus que te abençoe viu,obrigada ” Então em mim brota o maior desejo que as páginas tristes dela sejam suplantadas por gravuras doces,cheias de bênçãos e acalentos de alma...então...que Deus a abençoe também dona Maria...Deus abençoe todas as donas Marias, sejam elas Luzias,Claudias,Sonias,Silvias, Lauras ou Maras,sejam todas donas Marias felizes,e se felicidade não couber no pacote,que caiba a paz ao menos!
Outro dia li uma amiga...no auge de toda sua exuberância física,li com imenso assombro páginas tristes e feias sobre não aceitação e superficialidade e quando quis folheá-la,li,alguns parágrafos a frente, que tudo não passava de um medo de menina...uma linda mulher sofrendo de medos de menina,sofrendo por sonhos desfeitos de menina,por decepções de menina...eu li no livro dessa amiga,que o crescer para ela foi mais difícil,porque ela se escondeu na beleza e esqueceu do coração...cresce o corpo e o coração continua despreparado...não ingênuo e puro como de uma criança,só imaturo mesmo...ela me disse que escreverá algo de bom para si mesma em breve...anseio pelos próximos capítulos...
Leio a mim também..ah como leio..em geral não entendo muito ,então apelos aos leitores de plantão,acho que por isso tenho tanta identificação com leitores de humanos como eu. Afinal,quem está de fora, sempre observa tudo por outro ângulo,aí está a arte de se respeitar conselhos,(disse respeitar,não se deixar doutrinar por eles).Abaixo o ditadinho “se conselho fosse bom se vendia”,é bom sim,é precioso também,só não pode ser decisório,tem de ser instrumento de ponderação,se for decisório,não é conselho,é ditadura de conduta.
Gosto muito de conselhos,ainda que na maioria das vezes eu não os siga..afinal,para algo eles me servem mesmo assim:servem para me dizer o oposto do que eu vou seguir...mas se você for menos rebeldezinho que eu ,pode tirar bom proveito da experiência alheia e não dar tanto com a cara na parede onde tantos já deram... pode até inaugurar um pedaço novo de parede para bater a cabeça só para você...
Enfim,ouço conselhos,ouço ponderações,ouço críticas(revido muito também porque sou leonina e não lido muito bem com rejeições..rs),mas enfim,ouço tudo isso porque o simples fato de alguém se dispor a tentar me ler,já me enche de satisfação, porque eu sei o que é ser leitor e livro dessa forma...queria saber se sou uma leitura enfadonha...
Se eu ainda fosse criança e soubesse dessa coisa toda de ler o ser humano, minha oração antes de dormir seria mais ou menos assim:
“papai do céu, obrigada por eu ter lido a minha amiga e não ter brigado com ela à toa,obrigada por eu ter lido o papai e não ter pedido aquela Barbie cara esse mês, porque ele teve mais gastos com meu irmão no médico,obrigada também por eu estar aprendendo a me ler e ter descoberto que gosto diferente do menino da minha classe.
Papai do céu,por favor,faça que o seu João leia direitinho a dona Yolanda e não bata mais nela e permita por favor que o Ju leia o que a tia Clo sente e não tente se machucar mais como fez outro dia .
Se puder também papai do céu,faça os governantes lerem o povo para que possam dar mais comida e escola e menos festas e carros só para os amigos dele!
Obrigada pela leitura da vida de hoje Papai do céu, amém”


É... Pensando bem eu não teria discernimento para pedir tudo isso aí não... Mas eu certamente pediria para conseguir ler algumas pessoas que amo e não leio há tempos,não por falta de vontade,mas por quê elas resolveram se tornar livros fechados,proibidos...
Quero livros abertos,quero seres humanos de portas abertas,
quero um mundo de bons sentimentos,de boa vontade;
não de receitas psico-pedagogicamente corretas de relacionamentos interpessoais.
Só quero a verdade dos olhos...só isso!